terça-feira, 16 de abril de 2013

Dolo e Culpa



Dolo e Culpa
Código Penal -  DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.



I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
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DOLO E CULPA

DOLO

Conceito de dolo – é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo penal.  Mais amplamente, é a vontade livre e consciente manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta.

Elementos do dolo
Consciência – conhecimento do fato que constitui a ação típica.  Abrangência: a consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal.
Vontade – elemento volitivo de realizar este fato.  Abrangência: a vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la.

Dolo direto ou determinado e dolo indireto ou indeterminado:
a.     Dolo direto ou determinado – é aquele em que o sujeito quer o resultado diretamente.  Assim, diz-se direto o dolo quando resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente.  O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado.
b.    Dolo indireto ou indeterminado – o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo - o sujeito não quer o resultado, ele quer um resultado).  OBS: Dolo eventual – observe-se que age também com dolo eventual o agente que, na dúvida a respeito de um dos elementos do tipo, arrisca-se em concretizá-lo.

Teorias do dolo
Da Vontade – dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.
Da Representação ou Previsão – dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo.  Em outras palavras, para esta corrente dolo é a mera previsão do resultado.  Denomina-se teoria da representação porque basta ao agente representar (prever) a possibilidade do resultado para a conduta ser qualificada como dolosa.  É considerada bastante rigorosa esta corrente pois equipara a culpa consciente ao dolo.
Do Assentimento ou Consentimento – dolo é o assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo.  Não basta, portanto, representar; é preciso aceitar como indiferente a produção do resultado (dolo eventual).
OBS: Teorias adotadas pelo CP – da análise do disposto no art. 18, I, CP, conclui-se que foram adotadas as teorias da vontade e do assentimento.  Segundo o texto de lei, dolo é a vontade de realizar o resultado ou a aceitação dos riscos de produzi-lo (dolo eventual).  A teoria da representação, que confunde culpa consciente com dolo, não foi adotada.

Dolo de dano e dolo de perigo:
a.     Dolo de dano – é a vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico.
b.    Dolo de perigo – é a vontade de expor o bem jurídico a um perigo de lesão.


CULPA
O sentimento de culpa é o sofrimento obtido após reavaliação de um comportamento passado tido como reprovável por si mesmo. A base deste sentimento, do ponto de vista psicanalítico, é a frustração causada pela distância entre o que não fomos e a imagem criada pelo superego daquilo que achamos que deveríamos ter sido.
Culpa se refere à responsabilidade dada à pessoa por um ato que provocou prejuízo material, moral ou espiritual a si mesma ou a outrem. O processo de identificação e atribuição de culpa pode se dar no plano subjetivo, intersubjetivo e objetivo.
No sentido subjetivo, a culpa é um sentimento que se apresenta à consciência quando o sujeito avalia seus atos de forma negativa, sentindo-se responsável por falhas, erros e imperfeições. O processo pelo qual se dá essa avaliação é estudado pela Ética e pela Psicologia
No sentido objetivo, ou intersubjetivo, a culpa é um atributo que um grupo aplica a um indivíduo, ao avaliar os seus atos, quando esses atos resultaram em prejuízo a outros ou a todos. O processo pelo qual se atribui a culpa a um indivíduo é discutido pela Ética, pela Sociologia e pelo Direito.
Elementos da culpa
Conduta humana voluntária, seja ela comissiva ou omissiva – trata-se de uma vontade direcionada a descumprir o dever objetivo de cuidado, ao passo que no dolo a vontade é dirigida ao fato criminoso.
Resultado involuntário – o resultado advindo da culpa é necessariamente involuntário, não querido pelo agente.  OBS: Crimes materiais – não existe crime culposo de mera conduta.   Todos os crimes culposos são necessariamente materiais, sendo imprescindível a produção do resultado naturalístico involuntário para seu aperfeiçoamento típico.
Inobservância do dever objetivo de cuidado – o dever objetivo de cuidado é o dever normal de cuidado, inerente às pessoas de razoável diligência.  A sua inobservância se dá por meio da negligência, imprudência ou imperícia.  OBS: Padrão de normalidade – a primeira fonte de padrão de normalidade são as leis escritas e a segunda são as condutas socialmente aceitas (praxe).
Previsibilidade objetiva – é a possibilidade do resultado ser previsto, tomando por parâmetro uma pessoa dotada de discernimento e prudência.  Em outras palavras, é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado.  A rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem (inclusive, por exemplo, o de uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que está dirigindo).  É evidente, porém, que não é essa previsibilidade em abstrato que se fala.  Se não se interpreta o critério de previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado lesivo sempre seria atribuído ao causador.  Não se pode confundir o dever de prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer, com o poder de previsão.  Diz-se, então, que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente prudente.  Assim, só é típica a conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum, normal dos homens.  Ausente a previsibilidade objetiva, o fato será atípico.  OBS: Previsibilidade subjetiva – é a possibilidade do resultado ser previsto  a partir de aptidões pessoais, condições peculiares do agente.  Na análise da previsibilidade subjetiva, não importa se uma pessoa de diligência normal poderia ter previsto o resultado, importando apenas se o agente em si considerado poderia tê-lo feito ou não.  A ausência de previsibilidade subjetiva não exclui a culpa, uma vez que não é seu elemento.  A conseqüência será a exclusão da culpabilidade, mas nunca da culpa (o que equivale dizer, da conduta e do fato típico).  Dessa forma, o fato será típico porque houve conduta culposa, mas o agente não será punido pelo crime ante a ausência de culpabilidade.
Ausência de previsão ou confiança do agente na não realização do resultado ou na produção de qualquer risco OBS: Culpa consciente – este elemento não se aplica à culpa consciente, pois nesta o agente confia na não realização do resultado ou na não produção de uma situação de risco.
Nexo causal – é o nexo de causalidade entre a inobservância do dever objetivo de cuidado e o resultado involuntário.
Tipicidade – necessidade de expressa previsão legal da modalidade culposa

OBS:    1) Previsibilidade objetiva x Princípio do Risco Tolerado – há comportamentos sabidamente perigosos mas que são imprescindíveis, que não podem ser evitados e não podem ser considerados ilícitos, ante seu caráter emergencial.  Mesmo arriscada, a ação deve ser praticada e aceitos eventuais erros, dado que não há outra solução (ex.: médico que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias, podendo vir a causar a morte do paciente).
            2) Previsibilidade objetiva x Princípio da Confiança – a previsibilidade também está sujeita a este princípio, segundo o qual as pessoas agem de acordo com a expectativa de que as outras atuarão dentro do que lhes é normalmente esperado.  Ao se aferir a previsibilidade de um evento, não se pode exigir que todos ajam desconfiando do comportamento dos seus semelhantes (ex.: motorista que vem de uma via preferencial passa por um cruzamento na confiança de que aquele que vem da via secundária irá aguardar a sua passagem; o motorista conduz seu veículo na confiança de que o pedestre não atravessará a rua em local ou momento inadequado, etc.).
            3) Culpa nos delitos omissivos impróprios – é possível a ocorrência de crimes omissivos impróprios culposos.  É o caso da babá que, por negligência, descumpre o dever contratual de cuidado e vigilância do bebê e não impede que este morra afogado na piscina da casa.  Responderá por homicídio culposo por omissão.

Modalidades de culpa – são as formas de se deixar de observar o dever objetivo de cuidado.
Imprudência – é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário.  Pode ser definida como a ação descuidada, implicando sempre um comportamento positivo (a imprudência tem forma ativa).  É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, seja por não atentar para a lição dos fatos ordinários, seja por não perseverar no que a razão indica.  Uma característica fundamental da imprudência é que nela a culpa se desenvolve paralelamente à ação.  Desse modo, enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência (ex.: ultrapassagem proibida, excesso de velocidade, trafegar na contramão, manejar arma carregada, etc.).  Em todos esses casos, a culpa ocorre no mesmo instante em que se desenvolve a ação.
Negligência – é a culpa na sua forma omissiva.  Consiste em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir.  Ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta.  Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido.  O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria.  No sentido do Código, ela é a inação, inércia e passividade.  Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica).  Reduz-se a um comportamento negativo.  Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso (ex.: deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de crianças, etc.).
Imperícia – é a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade.  Consiste na incapacidade, falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister (ex.: médico vai curar uma ferida e amputa a perna, atirador de elite que mata a vítima em vez de acertar o criminoso, etc.).  Se a imperícia advier de pessoa que não exerce arte, ofício ou profissão, haverá imprudência, pois para o reconhecimento da imperícia se presume que o sujeito tenha conhecimento técnico mínimo. Assim, por exemplo, um curandeiro que tenta fazer uma operação espiritual ao invés de chamar um médico dando causa à morte do paciente incorre em imprudência e não em imperícia.  Se, além da demonstração da falta de habilidade, for ignorada pelo agente regra técnica específica de sua profissão, haverá aumento de pena, sendo essa modalidade de imperícia ainda mais grave. 
OBS: Concurso de diferentes modalidades de culpa – poderá ocorrer das diferentes modalidades de culpa coexistirem num mesmo fato.  Poderá haver, por exemplo, imprudência e negligência (ex.: pneus gastos e excesso de velocidade), negligência e imperícia (ex.: profissional incompetente que age sem tomar providências específicas necessárias no caso concreto), etc. 

CULPA CONSCIENTE e INCONSCIENTE
A culpa consciente ocorre quando o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não ocorrência, dando continuidade à sua conduta.
Exemplo de Culpa Consciente: Como exemplo clássico da Culpa Consciente podemos citar daquele artista de circo que utiliza-se de facas para acertar um alvo e, este último possui, geralmente, uma pessoa para tornar o espetáculo mais divertido e emocionante. Caso o atirador de facas acerte a pessoa, ele responderá pelo crime praticado a título de culpa, sendo esta culpa consciente. O agente (atirador de facas) embora prevendo o resultado (acertar a pessoa matando-a ou lesionando-a) acredita sinceramente na sua não ocorrência, em via de todos os anos de árduo treinamento, dando continuidade na sua conduta.
A culpa inconsciente ocorre quando o agente não prevê aquilo que, nas circunstâncias em que se encontrava, lhe era previsível. É a culpa sem previsão.

Culpa Consciente e Dolo Eventual

O caso muda inteiramente se, ao invés do exímio atirador de facas, vier para fazer o mesmo número circense uma pessoa qualquer da platéia, sem nenhuma preparação ou habilidade para exercer tal arte. Sendo assim, caso esta pessoa venha a realizar o número e, para sua infelicidade acertar a vítima, matando-a por exemplo, responderá pelo crime de homicídio doloso (com intenção), a título de dolo eventual. Dolo Eventual é, portanto, quando o agente não quer diretamente o resultado, contudo assume o risco de produzi-lo e, se este vier a acontecer "tanto faz".

Crimes de trânsito: Culpa Consciente ou Dolo Eventual?

Hoje em dia, conforme a indignação de toda sociedade a respeito dos crimes de trânsito que fazem milhares de vítimas anualmente, passou a questionar a fórmula Embriaguez + Velocidade Excessiva = Dolo Eventual. Todavia, a doutrina quase que por unanimidade tem tais crimes como Culpa Consciente, nos quais podemos citar Rogério Greco, Mirabete, Nélson Hungria, entre muitos outros.
Contudo o STJ A em decisão em novembro de 2007, decidiu que o caso acima pode ser tratado como Dolo Eventual.
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Judiciário trata mortes no trânsito com mais rigor  - 22/02/2009 http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=91030

O acidente de trânsito é tido como fatalidade. É considerado por muitos um acontecimento fortuito, não previsto. Entretanto cem brasileiros morrem todos os dias nessa guerra silenciosa, resultando, em muitos casos, do excesso de velocidade e de fatores como álcool e drogas na direção. Não só as leis já estão mais rigorosas, como o Judiciário também vem endurecendo o tratamento em relação a esses delitos. O objetivo é colocar freios na impunidade.

O Código Brasileiro de Trânsito completa doze anos em setembro próximo. Em pouco mais de uma década, muita coisa mudou no país. O cinto de segurança se tornou obrigatório, os pedestres tiveram preferência na travessia de vias e a atual Lei Seca (Lei n. 11.705/2008), que reformou o Código, trouxe mais rigor para quem dirige alcoolizado. Mas a cultura do brasileiro ainda precisa mudar. São 35 mil mortes por ano. Números que assustam, especialmente se se levar em conta a rotina dos Juizados Especiais e das Varas de Trânsito, assoberbados com os delitos nessa área, a sua maioria, ainda, por conta de embriaguez ao volante.

Em Brasília, por exemplo, boa parte dos casos de acidentes graves que chega à 1ª Vara de Trânsito é de motoristas embriagados. A realidade não é diferente em qualquer outro lugar do país. Na capital paranaense, pessoas insistem em dirigir sob efeito do álcool. “São comuns os motoristas que dirigem bêbados”, diz o juiz Carlos Henrique Licheski Klein, que compõe a primeira vara de trânsito implantada no país, em 1978. São pessoas que prejudicam os outros, perdem amigos e parentes, numa guerra instalada que se chama “estradas brasileiras”.

O Judiciário já despertou para o problema e vem tratando o tema com mais rigor. Mortes em acidentes de trânsito causadas por motoristas irresponsáveis em pegas ou rachas ou com excesso de velocidade têm recebido o tratamento de homicídio doloso. Esse entendimento vem ganhando adesão de quem atua na área jurídica, apesar de não ser ainda assunto pacífico. Até então, considerava-se que o motorista agiu com culpa – quando não há intenção de provocar o resultado. Passou-se a julgar que esse condutor assumiu o risco de produzir o resultado morte (dolo eventual).

Esse posicionamento começou com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2001. Apesar da mudança de visão no STJ, “as pessoas são condescendentes com os crimes de trânsito”, como avalia o deputado Beto Albuquerque, autor do projeto que criou a prova testemunhal para quem se recusa a se submeter ao teste do bafômetro (Lei n. 11.275) e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro.”No Brasil, quem sofre uma multa, por exemplo, tende a ser visto como vítima, e não como um infrator”, assinala o deputado. E quem chega aos 20 pontos na carteira acaba não perdendo o direito de dirigir. Repassa os pontos para amigos e familiares e conta com a demora dos órgãos de trânsito para analisar os recursos para se isentar da penalidade.

No mundo inteiro, calcula-se que o trânsito mata um milhão e duzentos mil mortos anualmente. Medidas para reduzir o número de mortes e de pessoas com sequelas é preocupação de muitos países. A França, por exemplo, na década de 90, havia em torno de 16 mil mortos por ano. Conseguiu reduzir para oito mil na última década. Os franceses têm como meta reduzir para três mil até 2010, número ainda excessivo.

“No Brasil, há muita gente trabalhando, mas ainda falta integração”, avalia a promotora de justiça de delitos de trânsito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Laura Beatriz Rito. No ano passado, ela coordenou um seminário sobre o assunto em Brasília e, para ela, é difícil enquadrar os crimes de trânsito, porque sempre existe aquela visão: “Será que eu nunca pisei no acelerador um pouco mais?”

A mentalidade, entretanto, é uma das primeiras coisas que precisam mudar quando se trata desse tipo de crime. Apesar de terem sido aprovadas leis importantes no Brasil, como a Lei Seca, já questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio da Adin n. 4103, quanto à sua constitucionalidade, ainda é prática comum infração por alta velocidade. Em 2006, foi aprovada a Lei n. 11.334, que impõe multa e suspensão imediata do direito de dirigir para quem trafegar com velocidade 50% superior ao permitido na via, mas isso não inibiu muitos motoristas. Muitos apertam o acelerador e, em consequência de um crime, põem em dúvida magistrados na aplicação de uma pena por dolo ou culpa.

Velocidade que deixa marcas

Em abril de 2001, muito antes do endurecimento da legislação de trânsito, chegou ao STJ um desses casos que põem o Judiciário de mãos atadas (HC 71331/MG). A Corte teve que julgar um processo em que o médico Ademar Pessoa Cardoso e o industrial Ismael Keller Loth foram acusados de matar cinco pessoas de uma mesma família, supostamente, por terem participado de um racha. O acidente aconteceu em 5 de abril de 1996, na estrada que liga a cidade mineira de Mar de Espanha a Bicas, num episódio que ficou conhecido como “Tragédia de Mar de Espanha”.

A denúncia relata que o industrial estaria a 140 km por hora, quando a Blazer que dirigia atingiu um Fusca, conduzido por Júlio César Ferreira. Cinco pessoas morreram no acidente que causou dúvidas ao Judiciário na aplicação da pena: saber se era um crime doloso ou culposo. O crime culposo é aquele em que o réu não quer exatamente o resultado, mas, fatalmente, ele acontece. É um tipo de crime que abarca quase a totalidade dos acidentes de trânsito e admite a chamada culpa consciente. É o caso do artista de circo, por exemplo, que joga facas para acertar um alvo. Ele não quer atingir a pessoa, mas, fatalmente, pode errar.

O STJ entendeu, no caso, tratar-se de dolo eventual: os réus assumiram o risco do acidente ao trafegar em alta velocidade em uma estrada repleta de curvas. Foi a primeira vez que se reconheceu o dolo em um crime de trânsito. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) havia entendido que o crime era homicídio culposo, assim os réus pegariam de dois a quatro anos de detenção. O médico e o industrial acabaram respondendo pela tragédia perante um tribunal do júri e foram condenados, um a doze anos e nove meses de reclusão e outro a doze anos.

Um agravante no caso foi o fato de os réus terem fugido sem prestar socorro às vítimas. O Código de Trânsito é benevolente com quem é solidário no trânsito. O artigo 301 prevê que, nos homicídios culposos, quando o motorista socorre a vítima, deixa de existir a possibilidade de prisão em flagrante, mesmo se o condutor estiver alcoolizado. Segundo o relator no STJ, ministro Felix Fischer, não seria preciso avaliar questões de prova para entender o crime como dolo eventual. O ministro sustentou no julgamento, referindo-se à parte do acórdão que declara não ter ficado provado que os acusados pretenderam o resultado, concordaram com ele ou consentiram para ele, que seria exigir coisas demais para comprovar o dolo. “Teriam que pedir uma declaração para os acusados”, argumentou o ministro. A decisão – pioneira – se deu muito antes do endurecimento da legislação brasileira sobre o assunto.

Para o deputado Beto Albuquerque, em crimes de trânsito, a lei não pode ser permissiva. “Do jeito que está, a dúvida entre dolo ou culpa acaba dando vantagens ao infrator”, assinala. Ele trabalha para introduzir no Código a pena de reclusão para os casos de lesão corporal e homicídios culposos.

Exceções que se aproximam da barbárie

Situações de racha são consideradas excepcionais em crimes de trânsito. Mas elas preocupam pela barbárie com que são cometidas. Um caso que chocou Brasília, por exemplo, foi o ocorrido em 6 de outubro de 2007, em que Paulo César Timponi acabou matando três pessoas e ferindo outras duas na Ponte JK. Ele supostamente participava de um “racha” com Marcello Costa Soares, quando, a 140 km/h, seu carro, um Golf, chocou-se com o Corolla conduzido por Cláudio de Vasconcelos. As três pessoas sentadas no banco traseiro estavam sem cinto e foram arremessadas para fora do carro, morrendo na hora.

O réu foi indiciado por homicídio doloso e teve habeas-corpus negado no STJ. Para o relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a liberdade do paciente ameaçava a ordem pública e poderia estimular novos crimes, “além de provocar repercussão danosa ao meio social, já indignado com a verdadeira selva em que se transformou o trânsito brasileiro” (HC 99.257). Entretanto, esses casos são exceções e, como constata a promotora Laura Rito, “a maioria dos acidentes de trânsito são resultados de crimes culposos”, “o que é lamentável diante das estatísticas”, analisa o deputado Beto Albuquerque.

O juiz da 1ª Vara de Trânsito do Distrito Federal, em ocasião de audiência pública, realizada sobre trânsito na Câmara dos Deputados, esclareceu que é muito difícil transformar um crime doloso em culposo, até porque não é a vontade política ou o clamor social que vão determinar um ou outro. “O crime culposo que se procura transformar em dolo é aquele em que há culpa consciente (não aceita o resultado), que é o que mais se aproxima do dolo eventual (aceitação do resultado)”, diz. Ele afirmou ser praticamente impossível provar o dolo eventual, pois é difícil encontrar provas de uma intenção subjetiva. O Judiciário analisa caso a caso o que é um ou outro.

O ministro Felix Fisher, que julgou um caso de São Paulo também envolvendo um racha, assinalou em seu voto que o dolo eventual não é extraído da mente do autor, mas das circunstâncias. “Nele não se aceita que o resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano possível, provável”. Nesse caso citado (Resp 249604/SP), Leonardo de Matos Malacrida participou de um racha na cidade de Fernandópolis que culminou na morte de dois jovens que andavam de bicicleta.
Beto Albuquerque acredita que precisamos mudar o entendimento de que tudo no trânsito é culpa e não dolo, especialmente quando a maioria dos acidentes tem o álcool ou a velocidade como fator determinante. No projeto de lei de sua autoria (PL 2592/2007) que tramita na Câmara dos Deputados, ele procura aumentar a pena nos casos de homicídio culposo, de dois a quatro anos, para de dois a seis anos de detenção. Também busca introduzir a pena de reclusão de cinco a doze anos nos casos envolvendo álcool, racha ou ultrapassagem em local proibido, além de tornar essa conduta inafiançável. “Não é possível que alguém que mate no trânsito tenha como punição uma cesta básica.” Os delitos de trânsito, em sua maioria, são resolvidos com penas alternativas.

Para o Judiciário, entretanto, a direção perigosa já é motivo para a imposição de pena. Um réu flagrado três vezes na prática de infração de trânsito teve negado um pedido de habeas-corpus na Quinta Turma do STJ. Sebastião Nunes dos Santos teve a prisão decretada primeiramente por dois meses, posteriormente, por vinte dias, porque a multa não se mostrou suficiente. Ele pediu a fixação de um regime aberto ou a substituição da pena de prisão simples em regime semiaberto pela restritiva de direito. Mas, para o relator, ministro Gilson Dipp, o pedido não poderia ser atendido, porque a pena anteriormente aplicada não tinha se mostrado suficiente para inibir a conduta do réu.

Quando a Justiça perdoa

Fruto de um trabalho amplo no Congresso Nacional, a denominada Lei Seca (Lei n. 11.705/08) trouxe inúmeras alterações jurídicas para quem está no trânsito. Não é mais necessário haver perigo concreto para configuração de ilícito penal, também não se permite mais a chamada transação penal nos casos envolvendo álcool ou racha. A transação permite, em tese, ao réu se livrar do processo. Com a edição da Lei Seca, o processo fica suspenso por dois anos, período em que o motorista não pode cometer nenhum ilícito, além de cumprir outras condições fixadas pelo juiz. Projeto recente também aprovado nas duas casas do Congresso determinou que as penas nos crimes de trânsito sejam cumpridas em ambientes diretamente relacionados com as consequências reais de tais crimes, de forma que o responsável possa acompanhar o estrago que fez.

São medidas essenciais para o país começar a reduzir a guerra instalada nas ruas brasileiras, especialmente quando a potência do motor determina o status de quem dirige o veículo ou quando as propagandas estimulam passeios em alta velocidade. Mas qualquer um pode estar envolvido em acidente de trânsito, desde que não tome as precauções necessárias, como dirigir na velocidade recomendada, sem sono, sem estresse e com o veículo em perfeitas condições de trafegar. “As pessoas não têm consciência de tomar os cuidados necessários quando estão dirigindo”, analisa o juiz da 1ª Vara de Trânsito de Curitiba, Carlos Henrique Klein. Ele costuma dizer aos infratores que se envolvem em acidentes sem vítimas: “Você escapou de carregar nas costas um morto para o resto de suas vidas, pois o pior poderia ter acontecido”.

Para Klein, a maior dificuldade em trabalhar com crimes de trânsito é o grau de emoção dos julgamentos, pois, muitas vezes, os envolvidos perdem parentes e amigos nas colisões. A Lei n. 6.416/77, que alterou alguns dispositivos penais, permite ao juiz, nos casos de homicídio culposo, deixar de aplicar a pena quando as consequências da infração atingirem o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. É o chamado perdão judicial, quando, para o motorista, qualquer punição seria pouco diante das consequências que tem que suportar.


REFERÊNCIAS
http://pt.wikipedia.org/wiki/Culpa_consciente
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080819134033715
pt.wikipedia.org/wiki/Dolo

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